Hipersensibilidade Dentinária

April 30, 2024

A hipersensibilidade dentinária se tornou um problema muito comum, devido principalmente a grande "epidemia" de envelhecimento bucal precoce que estamos vivendo. Na prática clínica vemos grande parte dos pacientes queixando-se de sentirem sensibilidade principalmente ao gelado. Esta é uma sintomatologia pode surgir em 3 situações clínicas: 1- recessão gengival, 2- lesão cervical não-cariosa, 3- esmalte vulnerável (que são os casos em que o paciente não apresenta a situação 1 nem a 2, mas tem sensibilidade já que o esmalte cervical se encontra trincado, fino e corroído). Para conseguirmos tratar os sintomas e administrar as causas, precisamos entender todo o processo que leva a este problema. Antigamente acreditava-se que a sensibilidade era causada apenas em locais com dentina exposta. Costumava-se culpar a força na escovação e a escova dura pela retração gengival e exposição desta dentina. Atualmente, sabemos que não é bem assim. A escovação pesada ( com força) só é problemática quando temos associado a presença de ácidos no meio bucal.

O principal fator relacionado a Hipersensibilidade Dentinária está no estilo de vida. É a associação de alguns mecanismos como tensão (apertamento), abfração, fricção e erosão (ácida) que acabam causando esse problema de difícil controle.

Dentre eles, o mecanismo de erosão se apresenta como um dos mais complexos e mais pertinente quando falamos de HD e envelhecimento precoce, já que não conseguimos evitar que esses ácidos cheguem até a nossa boca. Tentar evitar o contato do ácido com nossos dentes é uma estratégia inviável, já que é impossível tirar totalmente os ácidos da nossa dieta. Esses ácidos podem vir extrinsecamente, na alimentação. Ou ter origem intrínseca, ou seja o ácido que vem do nosso estômago como em casos de pacientes com refluxo gastresofágico, pós bariátrica, bulimia e anorexia e apneia do sono.

Os principais sinais da erosão dentária são:

AMARELAMENTO DENTÁRIO: paciente jovem com dentes amarelados, tendo como queixa principal que os dentes não respondem mais tão bem ao clareamento ( sinal de envelhecimento dos dentes).

HIPERSENSIBILIDADE DENTINÁRIA: paciente se queixa que não pode beber/comer nada gelado, e até o vento frio incomoda.

DESGASTES DENTÁRIOS: perda da anatomia dentária. Além da mudança da forma, a superfície do esmalte fica mais lisa, perdendo as rugosidade superficial característica.

Até aqui, podemos concluir então que a erosão ácida provoca envelhecimento bucal precoce, e que tem como um sinal clínico a Hipersensibilidade dentinária. Isso nos dá indícios que algo está errado, nesse caso nos mostra que os dentes estão sendo "corroídos" pelos ácidos presentes no meio bucal.

No meio bucal, podemos ter a presença de diversos tipos de ácidos, que exemplificaremos depois, primeiro precisamos entender como o ácido se comporta na nossa boca.

Todo o ácido em meio aquoso se dissocia e libera íons de H+, esses íons em contato com a superfície do nosso esmalte, quebram a hidroxiapatita e liberam o cálcio. Esse é o processo de desmineralização, e é assim que vai ocorrendo a "corrosão" dos nossos dentes.

Todo mundo sabe que o Ph é um escala onde medirmos acidez das substâncias ou seja, a quantidade de íons H+ ( quanto mais h+, mais ácido, Ph mais baixo). Mas este não é o dado mais importante quando falamos de erosão dentária. O dado mais importante na hora de sabermos o quão danoso é o ácido para nossos dentes chama-se acidez titulável, ou titularidade ácida, que é o quanto de ácido não se dissocia totalmente no momento do contato, penetrando no esmalte e sendo quebrado posteriormente dentro da estrutura dentária, promovendo uma desmineralização de difícil controle.

Por exemplo, um ácido pode ter um Ph baixo, e possuir titularidade baixa, o que o torna menos agressivo para a superfície dentária ( ex: coca-cola). E podemos ter o contrário, Ph não tão baixo, mais uma titularidade alta, tendo assim grande poder de corrosão, pois a saliva tem maior dificuldade de tamponar e consequentemente não consegue remineralizar na mesma proporção que ocorre a desmineralização, causando um desequilíbrio no fenômeno de DES-RE e desta forma temos a perda da estrutura mineral dos dentes. Agora você acaba de perceber que temos mais uma figura importante, a SALIVA com seu papel fundamental em todo o processo.

A saliva possui várias e importantes funções, como remineralizar, limpar, tamponar, diluir, neutralizar. Sem a quantidade adequada de saliva com BOA QUALIDADE, todo o processo de erosão se acentua drasticamente. E para termos saliva em quantidade suficiente e de boa qualidade precisamos de ÁGUA, entre 30 e 40 ml/kg de peso por dia. A água também ajuda a saliva nos processos de diluir e limpar, por isso devemos enxaguar a boca após o contato com alimentos e bebidas ácidas.

Não podemos esquecer que ao consumir bebidas ácidas aliadas a água, conseguimos minimizar o processo de erosão.

Neste ponto, precisamos estar atentos a pacientes com alterações salivares, como pacientes que fazem uso de algumas medicações como ansiolíticos, antidepressivos e anti-hipertensivos. Também pacientes respiradores bucais, pacientes que passaram por radiação de cabeça e pescoço ou em tratamento com quimioterápicos e ATLETAS, que costumam ter redução de fluxo salivar (e aqui muito importante a orientação de beber água durante o exercício).

Agora vamos aos ácidos mais comuns presentes em nosso meio bucal, alguns exemplos de bebidas ácidas e o que podemos fazer para minimizar os danos.

O ácido mais comum na nossa alimentação, sem sombra de dúvida é o ácido cítrico, mas temos outros como o ácido acético, ácido málico, ácido fosfórico, etc. Algumas bebidas ácidas podem passar despercebidas, já que quando falamos nelas lembramos apenas do suco de frutas ácidas e da Coca-Cola não é mesmo? Mas existem inúmeras outras, e tenho certeza que pelo menos uma delas faz parte da sua rotina, como por exemplo o suco de beterraba, água tônica, gin, supercoffe, desinchá, café, misturas de limão ou vinagre com outras substâncias (os populares shots para diversas finalidades), entram nessa lista de bebidas ( muito) corrosivas também.

E o que é possível fazer então para tentar reduzir o dano?

Primeiro reduzir o tempo de contato do ácido com os dentes, usando um canudo por exemplo. Tentar reduzir também a frequência ( não dá pra passar o dia tomando suco, café ou chás). Além disso o consumo de alimentos ricos em cálcio juntamente com a bebida ácida faz com que o íon H+ encontre cálcio disponível no meio bucal, sem precisar buscar na superfície dentária. Cuidar com a viscosidade dos alimentos e bebidas, quanto mais viscoso, mais adere a superfície dos dentes, maior será a corrosão.

Se você estiver em tratamento com alinhadores, lembre-se que não deve beber ou comer com eles em boca. Beber um suco por exemplo, estando de alinhador vai fazer com que o ácido permaneça mais tempo em contato com a superfície dos seus dentes.

Caso você tenha refluxo gastroesofágico, certifique-se que sua doença está controlada para poder usar alinhadores ou placas de bruxismo. Isso por que na doença ativa o ácido clorídrico chega até a boca e se você estiver de placa ou alinhador, ele vai ficar em contato com seus dentes, provocando um ataque ácido violento e consequentemente, uma erosão dentária acentuada.

O uso de placas oclusais também é uma medida importante para evitar trincas e fraturas decorrentes da tensão provocada pelo bruxismo e apertamento. Além disso, temos também o  uso de protetores bucais para proteger os dentes durante o exercício.

Por fim, chegamos nos tratamentos para Hipersensiblidade Dentinária. Atualmente temos 2 tipos de intervenções, uma de ação neural e outra de ação obliteradora.

Em um primeiro momento pode ser feito de 1 a 3 sessões de ação neural, associando o laser de baixa e após o nitrato de potássio que vai penetrar nos túbulos e despolarizar as fibras nervosas. Após, entramos na fase obliteradora onde fazemos a aplicação do glutaraldeído seguida de verniz de flúor, e desta forma temos o controle da dor.

É de suma importância que pacientes com HD que desejam fazer clareamento dentário, passem pelo protocolo de dessensibilização dentinária.

A hipersensibilidade dentinária é uma doença! Não é possível controlar apenas com creme dental em casa (analgesia). Ela precisa de tratamento e manutenção periódica. Além disso precisamos identificar a causa e ajustar a rotina do nosso paciente para evitar a progressão do problema, tornando o tratamento mais complexo e com danos irreversíveis.

Murieli Montemezzo

Cirurgiã-Dentista

Esp. em Prótese Dentária

CRO-SC 12131

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